O amor aos inimigos se faz possível quando compreendemos seu significado. O irmão David enumera gestos concretos que podemos colocá-los em prática. O que significa? Como podemos conseguir isso?

Quando eu saí em direção ao portão que me levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse minha
amargura e meu ódio para trás, eu ainda estaria na prisão. Nelson Mandela
Amar os nossos inimigos não significa que de repente nos tornamos amigos deles. Se recebermos ordens para amar os nossos inimigos, eles devem seguir sendo inimigos. Se não tiver inimigos, não haverá inimigos a quem amar. E se não tiver inimigos, duvido que tenha amigos. No momento em que se torna amigo de alguém, os inimigos dele passam a ser seus inimigos também. Se tivermos convicções, tornamos inimigos de quem se opõe às nossas convicções. Mas primeiro certifique-se e deixe claro o que significa os termos “amigo”, “inimigo”, “ódio” e “amor”.
A intimidade recíproca que compartilhamos com nossos amigos é um dos maiores presentes da vida; no entanto, isso não ocorre quando chamamos alguém de amigo. A amizade não implica reciprocidade. Se não, pensemos nas organizações como “amigos da biblioteca pública”, ou “os amigos dos elefantes” (ou outra espécie em perigo de extinção). Assim, a amizade toma formas muito diferentes, e admite graus distintos de intimidade. O que sempre implica é uma preocupação ativa por aqueles a quem chamamos de amigos, e um compromisso para ajudar a alcançar suas metas.
Com os nossos inimigos ocorre exatamente o contrário. Na verdade, o termo “inimigo” vem do latim inimicus, que simplesmente significa “aquele que não é amigo”. É claro que nem todos que não são nossos amigos é um inimigo. Um inimigo é um oponente; não no sentido de adversário, igual nos esportes ou nos jogos, mas sim alguém que tenha uma oposição recíproca a respeito de assuntos importantes. Um inimigo tem objetivos que se opõem às nossas mais nobres aspirações. Por isso, sendo fiel às nossas convicções, devemos ativamente tentar evitar que nossos inimigos alcancem seus objetivos. É isso o que podemos fazer com o amor ou não. Aqui é onde nasce a possibilidade de amar nossos inimigos.
Quando falamos de “amor” a primeira coisa que pensamos é uma atração romântica, ter o afeto ou desejar alguém, e estar em volta de um redemoinho de emoções. Isso é certo, mas é apenas uma das inúmeras formas que podemos vivenciar o amor. Falamos de “amor” em contextos tão diferentes, que poderíamos perguntar o que eles têm em comum (se é que eles têm algo): o amor de um professor e seus alunos, dos pais aos filhos, dos filhos aos seus pais, amor ao nosso cão ou gato, amor à pátria, amor aos nossos prefeitos… o que é diferente, por exemplo, o amor aos nossos avós em relação ao amor que temos a nossa plantinha preferida entre todas as plantas do jardim; ou dizer a diferença do amor de um noivo ou noiva? Existe algum denominador comum para todas as variedades do amor? Sim, existe.
O amor, em cada uma de suas diferentes formas, é um “sim” à participação recíproca, um “sim” vivo. Digo “vivo” porque a forma que eles vivem e agem com aqueles que amam, com clareza proclama: “sim, te respeito, te apoio e te desejo o bem. Como membros da mesma família universal nós participamos de maneira mútua, e essa participação vai muito além de qualquer coisa que possa nos dividir”. Paradoxalmente, esse “sim” à participação recíproca está presente no ódio. Enquanto o amor disser este “sim” à participação com alegria e com carinho, o ódio afirma o contragosto e a antipatia. Ainda assim, quem odeia conhece aquela participação mútua. Talvez haja momentos em sua vida que não poderia dizer se amava ou odiava alguém que está no seu coração? Isso nos mostra que o ódio não é o contrário ao amor. O contrário ao amor (e também ao ódio) é a indiferença.
Como praticar o amor aos inimigos?
– Trate seus inimigos com o respeito genuíno que todo ser humano merece. Aprenda a pensar neles com compaixão.
– Ao cultivar a compaixão com eles, pode ajudar a vê-los como crianças que certa vez eles foram (e que de certa maneira seguem sendo).
– Não tenha compaixão “de olhar por cima”, mas imaginar que você está com eles, sempre se posicione ao mesmo nível, fazendo contato visual.
– Faça todo o esforço possível para tratar de conhecer e entender melhor suas esperanças, temores, preocupações e anseios.
– Busque metas que possa ter em comum com eles, e trate de encontrar formas de alcançar essas metas juntos.
– Não insista em suas próprias convicções, mas examine tendo em conta as convicções dos seus inimigos com maior sinceridade possível.
– Convide seus amigos a dar atenção em alguns assuntos. Ao fazer isso, suspenda por um momento suas próprias convicções.
– Não julgue as pessoas, mas examine bem o efeito de suas ações. Elas contribuem para o bem comum ou se opõem?
– Observe os objetivos dos seus inimigos e avalie-os imparcialmente. Se for necessário, trate de impedi-los com determinação;
– A fim de neutralizar as intenções dos seus inimigos em relação a um assunto em particular, junte a maior variedade possível de pessoas que pensam como você.
– Mostre afeto com seus inimigos cada vez que tiver a oportunidade. Faça todo o bem que puder. Pelo menos deseje o bem deles.
– Finalmente, elogie você mesmo e os seus inimigos, o grande mistério da vida que tem atribuído papeis tão diferentes (e muitas vezes opostos), e que visa cada um desempenhar com amor o papel atribuído.
O amor aos inimigos é um ideal humano presente em toda tradição religiosa. Mahatma Gandhi praticou na forma não menos exemplar que São Francisco. Esse mandado nos faz lembrar as palavras de Jesus: “Ouvistes o que foi dito: ‘ame o teu próximo e odeie o teu inimigo’. Mas eu vos digo: ame seus inimigos e orem por aqueles que te perseguem. (Mateus 3:43). Essas palavras nos faz lembrar da vez que disse G. K. Chesterton: “o cristão ideal não foi provado e deixado de lado por considerar-se ineficiente; foi considerado difícil de praticar, e por isso deixado de lado”. É difícil, sim, mas muito digno de se tentar, especialmente no nosso mundo devastado por inúmeras inimizades. Dado como complicado a situação atual, não perdemos muito em tentar. Quem sabe? Talvez o amor a nossos inimigos seja a única forma de continuar adiante.
Irmão David Steindl-Rast
Original:http://www.viviragradecidos.org/ama-a-tus-enemigos/